TECNOLOGIA E O TREM DAS ONZE
Contei já a história da menina mordida pelo cão raivoso (*) e que foi salva pelo radioamadorismo. Mas ainda não contei porque me interessei tanto por essa atividade e acabei me tornando o PY2-DJK.
Isso aconteceu porque, com oito ou nove anos ganhei um kit de rádio galena supersimples (não sei quem me deu) que funcionava sem nenhum tipo de energia elétrica e com o qual se podia ouvir as emissoras mais fortes de cidade. Eu mal acreditava que aquilo seria possível! Como bom curioso (há quem diga que isso é típico dos cancerianos) queria saber mais.
Anos depois tive a influência de meu pai que, muitas vezes, às nove da noite, gostava de ouvir as ondas curtas da BBC, emissora londrina que irradiava o Big Ben e suas doze badaladas da meia-noite; e depois os comentários dos jornalistas sobre as notícias do dia no Reino Unido e do mundo. Eu o observava, nos meus doze anos, cada vez mais fascinado com o milagre das ondas eletromagnéticas.
Aquele aparelho no qual meu pai ouvia a BBC era uma rádio vitrola de móvel, na qual ele gostava também de apreciar um Tchaicovsky com a orquestra Pops de Boston, em especial o Nutcraker (Quebra-Nozes) gravado naqueles bolachões de 12 polegadas, ainda em 78 rpm.
Poucos anos após chegaram os discos de vinil de 10 polegadas, mas no novo padrão de 33.3 rpm - e eu não me conformava em não poder ouvi-los na nossa radio-vitrola. Poderíamos até trocar a cápsula com agulha para os novos sulcos mais finos, mas e a rotação do prato? Não achei outra opção senão desmontar o mecanismo, retirar o pequeno motor, abri-lo e levar o rotor para uma oficina de um torneiro mecânico lá das Perdizes. Pedi que ele reduzisse o diâmetro da ponta do eixo que acionava a polia, para a medida que eu calculara (um primo que já estava na Poli me ajudou nessa façanha físico-matemática).
Nessa altura meu pai estava tão envolvido com seu trabalho que, felizmente, esqueceu um pouco do Big Ben e do Tchaicovsky e eu pude me deliciar com o Rock-and-Roll do Elvis Presley, o Jazz do Stan Kenton e tantas outras músicas na rotação correta! Até porque depois que mudamos para o Pacaembu ninguém achou mais os velhos discos de cera, talvez tivessem se quebrado no transporte, sei lá. Juro que não fui eu!
Mais tarde ia passear na Santa Ifigênia, apreciar as novidades do mercado da eletrônica. Numa dessas comprei um chassi de rádio e comecei a montar, peça por peça, fio por fio, um rádio transmissor básico a partir de um circuito publicado numa revista (e aí foi falta de experiência mesmo). Seriam precisas ainda muitas peças e muitos cruzeiros até que eu pudesse realizar meu sonho – construir e operar meu próprio equipamento de rádio comunicação.
Tive de adiar o projeto, estudar um pouco mais de inglês e entender melhor o “The Radio Amateur’s Handbook”, único livro disponível sobre o tema. Eu já sabia que um transmissor seria mais simples de construir, mas o receptor seria o problema maior. Nenhuma chance de praticar radioamadorismo com as ondas curtas de um rádio comum (e eu já tinha construído um). Nas lojas especializadas, dos especiais só havia modelos importados e de custo elevado.
Superei essa frustração voltando aos projetos de som logo que surgiu a “Alta Fidelidade”. Para isso eram precisos amplificadores melhores, cápsulas mais sensíveis (de relutância variável) e alto-falantes especiais. Com menos roncos e chiados, o som pedia melhores alto-falantes para os graves (woofers) e para os agudos (tweeters) e exigia caixas desenhadas para acomodá-los física e acusticamente. Nessa fase, como era para atualizar o som da família, consegui aprovar um crédito suplementar, ainda insuficiente, mas pouco a pouco fui montando o som de alta fidelidade.
Logo depois apareceram os estereofônicos, que exigiam praticamente a duplicação do sistema - o som seria captado e trabalhado em dois canais independentes. Preferi deixar isso quieto, o som já estava legal.
O projeto radioamador ficou para bem mais tarde – só foi retomado e realizado depois da faculdade, quando começou o período no qual aconteceram muitos episódios deliciosos como aquele da menina e do cachorro louco.
E O FUTURO JÁ ESTÁ PRESENTE
Agora, saltando de vara sobre o tempo, vou fechar essa crônica com um comentário que está pululando na cabeça de muitos de nós, estupefatos como avanço exponencial da tecnologia das comunicações.
Só para dar uma ideia, leiam esse trecho retirado de informações que recebo do “Clube do Hardware”, um site que, entre outras funcionalidades, envia as novidades na área:
A Nokia deve liderar o projeto 6G - Hexa-X, que começará em janeiro de 2021, com duração prevista para dois anos e meio. Ele contará também com as companhias Ericsson, Siemens, Orange e Telefónica, além de universidades e institutos de pesquisas.
Segundo estimativas, a rede 6G deverá ser adotada apenas em 2030 e usará frequências na faixa dos terahertz e será até oito mil vezes mais rápida do que as atuais.
No Brasil o processo de adoção da rede 5G ainda depende da liberação de leilões das faixas de frequência pela Anatel. Ainda não se decidiu se a gigante Huawei participa ou não, e essa é uma questão central para publicação dos editais. Inglaterra e Estados Unidos (com Trump), já decidiram que não. E agora, Joe? E agora, Jair?
Para esclarecer: no Brasil, atualmente estamos testando o 5G DSS, de forma extremamente precária, compartilhando vias de transmissão com o 4G. Ou seja, é como se estivéssemos colocando um trem-bala nos trilhos da maria-fumaça que puxava o TREM DAS ONZE! (*) Veja "O VOO DE DOMINGO AO MEIO DIA"